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Valerie-Hegarty. Niagra Falls, 2007
Valerie Hegarty constrói para destruir. Seu processo envolve copiar e modificar ícones da pintura americana como se estivessem em ruínas, parcialmente destruídas pela ação do tempo, atacadas por pássaros, incendiadas ou invadidas pela natureza. O que interessa é o que resta: a visão do que está se desfazendo, rompendo-se em um lento processo de destruição. Esse tempo lento faz com que as ruínas pareçam estáticas, no entanto estão sempre em movimento, submetidas à ação constante do tempo e da natureza. Simmel observa que “o fato de a violação da obra da vontade humana, mediante o poder da natureza, poder ter um efeito estético tem como pré-requisito a condição de o direito da mera natureza nunca ter sido completamente extinto nesta obra, apesar de ela ter sido formada pelo espírito.”[1] Hegarty elabora, a partir dessa estética, um diálogo entre a História da Arte e o processo de transformação física e metafórica das obras.
“Tal vez lo mejor sea ver la pintura como una casa en ruinas y no como un edificio que se basta a sí mismo. Una construcción que se ha intentado demoler una y otra vez, solo para descubrir que sus materiales y efectos son irremplazables: las piedras antiguas deben ser usadas para armar de nuevo la casa original”[2], comenta Lucas Ospina em seu texto “La pintura como ruina”. O autor percebe três aspectos que fundam a arte de representar ruínas: o simbólico, a representação da vida humana e seu inefável destino, o estético, instante sublime de suspensão e a ruína como componente estrutural para a criação. Hegarty, em entrevista a Miriam Katz comenta que “o desastre natural é sublime por natureza. “Tenho trabalhado muito com paisagens sublimes. Recentemente recreei uma obra de Albert Bierstadt, sobre a Sierra Nevada, California (1868), uma cena de montanha sublime e fiz como se tivesse sido atacada por pica-paus. Neste trabalho, era como se a natureza reorganizasse ou puxasse a pintura para uma reflexão mais precisa de uma situação recorrente no mundo, enquanto a pintura original foi uma versão mais idealizada”[3].
Valerie-Hegarty. Bierstadt with Holes, 2007
Baldine Saint Girons percebe em seu livro “Lo sublime” que Mark Rothko, um dos principais expoentes do expressionismo abstrato, reivindica uma “arte do sublime”: “las grandes dimensiones de los cuadros reclaman las dimensiones de los rascacielos americanos. (...) el espectador no tiene que mirar el cuadro como si estuviera visionando una imagen a través de un proyector o a través de una lente capaz de empequeñecerla, sino que debe sumergirse en el cuadro”[4]. Desta maneira, Hegarty quando decide trabalhar em cima das telas de Rothko evoca a atmosfera sublime que acaba tornando-se constante em suas obras. Em Rothko Reflection e Rothko Sunset, de 2009, as telas parecem incendiadas evocando a intensidade emocional do expressionismo abstrato.
Valerie Hegarty. Rothko Sunset, 2007
Valerie Hegarty provoca ruínas. A artista tem todo um labor na construção, copia cuidadosamente cada obra aproximando-se ao gesto do pintor escolhido para em seguida acelerar o tempo forçando sua deteriorização. “Fazer o trabalho eu mesma mostra que sou sincera. Se meu trabalho fosse apenas tirar um barato da história da pintura, eu poderia pegar umas pinturas e pisar em cima. Mas não se trata disso. Estou quebrando essas pinturas após passar meses trabalhando em cima e me apegando à elas”[5], diz Hegarty. A tela rasgada, esfarrapada, aparece como se tivesse sido exposta ao longo de anos em um ambiente externo, submetida aos desgastes da natureza. Algumas de suas pinturas muitas vezes são expostas ao ar livre, deixando realmente que a ação do tempo atue sobre elas. É o caso de Autumn on the Hudson Valley with Branches, de 2009, baseada no Outono no Rio Hudson, tela de Jasper Francis Cropsey, feita em 1860. Cropsey fazia parte da Escola do rio Hudson, um movimento norte-americano de pintores paisagistas que ocorreu entre 1825 e 1880. A região do rio Hudson e as montanhas circundantes foram amplamente explorados nesta época. Hegarty, desta maneira, recria a obra de Cropsey e instala sua tela ao ar livre, em uma grade de um parque em Manhattan. Como se transformasse em galhos de árvores, sua pintura parece estar voltando ao estado natural, em um eterno retorno do tempo.
Valerie Hegarty. Autumn on the Hudson Valley with Branches, 2009
A artista também já interferiu em ambientes arquitetônicos transformando os espaços em ruínas, forjando um aspecto abandonado e uma atmosfera decadente. Em Threshold, de 2002, a artista constrói um mosaico no chão de uma galeria utilizando papel, cola e pintura, reproduzindo os motivos de muitos mosaicos existentes no bairro de Chicago, em Nova Iorque, que foram desaparecendo dos edifícios à medida em que a cidade se modernizava. Threshold trata de uma espécie de trompe-l'oeil que se instaura no espaço. Ilusão de um vestígio. Hegarty trabalha com a estética do efêmero, presa em uma temporalidade simbólica. Sua obra sugere uma existência exposta à fragilidade, em que o precário revela as condições da imagem. O gesto da artista traz em suas obras um tempo estratificado que atua no presente, transforma a paisagem em pintura e a pintura em paisagem.
Valerie Hegarty. Threshold, 2002
[1] SIMMEL, G. in SOUZA, Jessé e ÖELZE, Berthold. Simmel e a modernidade. Brasília:UnB. 1998, p. 137-144.
[2] OSPINA, Lucas. La pintura como ruina. Bogotá: Universidad de los Andes, 1971, p.04
[3] VALERIE HEGARTY. Interview by Miriam Katz, New York: 2008. (http://www.museomagazine.com/VALERIE-HEGARTY)
[4] SAINT GIRONS, Baldine. Lo sublime. Madrid: Machado Libros, 2008, p. 240
[5] HEGARTY, V. in Interview by Miriam Katz, 2008
Website: valeriehegarty.com