Casa-corpo | IDA MARA FREIRE

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Casa, 2010, Lucila Vilela. Foto: Cristiano Prim

Se para Lygia Clark “o corpo é a casa” a exposição de Lucila Vilela,  ocorrida no mês de outubro  em uma residência localizada na  Rua Acadêmico Reinaldo Consoni, 122, Córrego Grande, Florianópolis, mostrou-me que a casa também é corpo. A exposição intitulada “Casa” reuniu  no mesmo lugar objetos  e performances. As proposições  de Lygia Clark  e o espaço-comportamento das possibilidades abertas de Hélio Oiticica  problematizam a condição sujeito-objeto  e fundam uma outra relação: a artista-obra-espectador. Semelhantemente, as experiências vivenciadas na exposição “Casa” sugerem uma analogia com essas  três dimensões.

Uma dimensão ontológica,  refletida na desafiante disponibilidade de se estar em cena  quatro horas seguidas.  Explora-se  a casa como lugar de vivência transformável da  existência de cada artista integrante do projeto, a saber as bailarinas Diana Gilardenghi e Juliana Figueredo, o músico Diogo de Haro e  o DJ NeggoBilly, a atriz, Barbara Biscaro e o ator Marlon Spilhere.

Uma outra  dimensão espacial, vivenciada no abrir de um armário ou no acender de uma vela por parte de um espectador. Assume-se o espaço arquitetônico como estrutura coletiva, cria-se uma casa-corpo sustentada  na experimentação  e na manifestação inesperada de outrem.

Pode-se ainda perguntar  o que foi determinado durante os ensaios? Aqui a noção do experimental de Oiticica se faz valer:   “... a palavra “experimental”é apropriada, não para ser entendida como descritiva de um ato a ser julgado posteriormente em termos de sucesso ou fracasso, mas como um ato cujo resultado é desconhecido.”

Esse desconhecimento abre-se para as possibilidades de uma dimensão estética ou perceptiva, que propõe uma ruptura com o hábito.   Há uma subversão nessa habitação, onde gestos cotidianos como passar roupa,  arrumar uma cama,  espremer uma laranja, escovar os dentes assumem outros sentidos daqueles que ordinariamente lhe são conferidos. Essa experiência inusitada com o objeto e essa  convivência com o outro  desvelam assim um modo não habitual de  estar no mundo.  Gestam na casa-corpo  um espaço criativo que nutre a coexistência.

Referência:

SPERLING, David. Corpo+Arte= Arquitetura: proposições de Hélio Oiticica e Lygia Clark. In:  Fios Soltos: a arte de Hélio Oiticica. Org. Paula Braga. Rio de Janeiro. Perspectiva. 2008.