Torne público: relato de uma experiência com Still Untitled, de Xavier Le Roy e Scarlet Yu | KAREN GILLENWATER

Body: 

english

 


Xavier Le Roy e Scarlet Yu, Still Untitled, 2017. Skulptur Projekte Münster 2017. foto: Henning Rogge

O Skulptur Projekte Münster 2017 incluiu vários projetos elaborados para gerar experiências individuais únicas – talvez nenhuma mais que Still Untitled, de Xavier Le Roy e Scarlet Yu. Desenvolvida com o conceito de convidar qualquer pessoa a apresentar o trabalho publicamente a qualquer hora e local, o projeto foi realizado com uma serie de workshops conduzidos pela equipe de Still Untitled. Durante esses workshops, participantes desenvolveram esculturas vivas individuais que poderiam ser apresentadas com seus próprios corpos, aprendendo um diálogo específico para ser usado na apresentação do trabalho. Esses dois elementos – a apresentação pública da escultura física e o diálogo estabelecido como uma moldura –formam o trabalho  Still Untitled. Cada performance aconteceu de acordo com o impulso das apresentações individuais. Não havia tempo e local anunciados e o “público” da performance era uma pessoa selecionada que, através do diálogo, tornava-se participante do trabalho em vez de permanecer como um espectador pacífico. Essas variáveis de tempo, espaço, e participantes, assim como a relação com o contexto mais amplo do Skulptur Projekte Münster, impactou a experiência individual e resultou em únicas apresentações do trabalho.


A autora participando em Ayşe Erkmen’s On Water, 2017.
Contenedores de carga oceânica, vigas de aço, grades de aço.
Skulptur Projekte Münster 2017

Muitos outros projetos realizados em Münster também geraram experiências individuais únicas e algums incorporaram elementos participativos. Imagens desses projetos e mais informações podem ser acessados no site do Skulptur Projekte Münster. Um exemplo é Provisional Studies: Workshop #7 How to Live Together and Sharing the Unknown, de Koki Tanaka.  Tanaka convidou oito cidadãos de Münster de diferentes origens para participar de um workshop de dez dias e apresentou o resultado desse workshop aos visitantes. Mais sutilmente, em seu trabalho A Modified Threshold … (for Münster) Existing church bells made to ring at a (slightly) higher pitch, Cerith Wyn Evans diminuiu a temperatura do campanário da igreja St. Stephanus para mudar o tom dos sinos que são ouvidos diariamente, (levemente) alterando a atmosfera da paisagem daqueles residentes acostumados com o soar diário dos sinos.  Outros projetos buscaram compartilhar a experiência de residentes locais com os visitantes, como Speak to the Earth and It Will Tell You (2007–2017), de Jeremy Deller, que apresentou diários do cotidiano e das atividades em jardins comunitários durante dez anos entre as mostras do Skulptur Projekte. On Water, a experiência transformadora criada por Ayşe Erkmen, procurou focar a atenção em um lugar na cidade que passa por um processo de revitalização. Memórias do lugar também interferiram na experiência dos projetos. Uma residente relembrou os bons momentos que teve com sua filha na pista de patinação onde Pierre Huyghe criou After ALife Ahead. Entrar na pista de gelo parcialmente demolida para ver o projeto de Huyghe lhe trouxe doces lembranças do passado e a tristeza do passar do tempo. (Sua filha, por outro lado, adorou o projeto.)

O elemento temporal apresenta um papel crítico em cada um desses projetos, como é o caso de Still Untitled. O envolvimento mais direto com o tempo envolve o compromisso necessário para apresentar o trabalho. Participantes foram convidados para se inscrever no workshop introdutório “Embody Your Sculpture,” e um segundo workshop , “Make It Public,” cada um com a duração de duas horas e meia. Essa foi minha primeira visita a Münster e eu tinha um tempo limitado na cidade para conhecer todos esses projetos, por isso hesitei em me comprometer durante cinco horas em um só projeto. Mas eu estava viajando sozinha para visitar o Skulptur Projekte Münster e a documenta 14, e senti que poderia ser uma boa oportunidade para encontrar pessoas e conversar sobre as instalações artísticas. Também havia um interesse em me desafiar pessoalmente e criativamente participando em público de um trabalho de performance. Por quase duas décadas, trabalhei com museus de arte em funções como educação, curadoria, arte pública, e administração. Os melhores momentos de minha atividade profissional no 21c Museum Hotel em Louisville, Kentucky, são as conversas com o público sobre arte contemporânea. Em todos esses casos, vejo meu papel como os bastidores de uma cena; guiando os hóspedes através de suas experiências com as obras de arte. A realização de uma performance artística individual proposta para completos estranhos em uma cidade onde eu era uma estranha foi uma perspectiva intimidante.

Depois de algumas horas que cheguei a Münster, fui em meu primeiro workshop, “Embody Your Sculpture,” que envolveu uma série de exercícios com a equipe do workshop e os participantes. Movendo pelo espaço, aprendemos um certo conforto físico e conversas interativas expostas por vários níveis de vulnerabilidade e conexão entre as pessoas. Começamos caminhando aleatoriamente através do espaço e ao encontrar outra pessoa, paramos para apertar as mãos e nos apresentar, uma interação bastante amável. A partir daqui, nosso desconforto e intimidade aumentaram. No próximo exercício, mais uma vez, caminhamos aleatoriamente pelo espaço, mas dessa vez, em cada momento que fazíamos um contato visual com outra pessoa, congelávamos os corpos mantendo o contato visual. A incompreensão compartilhada da situação proporcionou uma conexão entre estranhos, que começou a nos preparar para interações físicas e conversas em público. Entre as sequências de movimentos foram discutidas a natureza e a qualidade do tempo. O quadro de diálogo de Still Untitled inclui a pergunta ao público/participante "Como está o seu tempo hoje?" Em grupo, nós discutimos a natureza do tempo, as especificidades semióticas da questão, e as respostas individuais. Muitos de nós expressamos nossa visão do tempo como uma quantidade, uma mercadoria que "gastamos", em vez de algo que vemos em termos de qualidade. A estrutura da questão cria uma situação na qual vemos o tempo como uma entidade separada, com sua própria qualidade de ser. Nós temos uma medida de controle sobre este ser, mas não controle total e as formas como respondemos a essa condição afetam a visão do nosso tempo. Uma discussão de algo tão universal quanto banal como o tempo também pode trazer uma consciência das diferenças e compreensões entre indivíduos. Em uma de minhas interações com um dos participantes, falamos sobre impacto da viagem na qualidade de nosso tempo. Viajando de trem por algumas cidades, eu senti que o tempo fugia de meu controle, enquanto ele expressava que o ato de viajar o refrescava – ele via como um tempo suspendido. Nós discutimos o impacto na qualidade do tempo que se encontra na maneira como abordamos mentalmente práticas como o transporte e, por sua vez, o impacto das normas culturais sobre nossas experiências e atitudes individuais.

O primeiro workshop culminou no desenvolvimento de uma escultura performática com o próprio corpo,  a partir do conceito de escultura de cada um. Em pequenos grupos, descrevemos esculturas que nos causaram impactos. Sweat Equity, de Jacob K. Stanley foi a escultura que me veio a mente. Foi instalada em New Albany, Indiana como parte de um projeto que conduzi, o New Albany Public Art Project. Localizado na propriedade de uma igreja, a escultura serviu como catalizador de um diálogo significativo entre membros da igreja e dos residentes do bairro sobre o que arte poderia ser; sua contribuição para a comunidade; e as realidades do processo tumultuoso de reabilitação de casas, bairros, e comunidades.


Jacob K. Stanley, Sweat Equity, 2012.
Janelas restauradas, revestimentos, madeira, remanescentes arquitetônicos, telhados metálicos usados, concreto e tijolos.
New Albany Public Art Project: Bicentennial Series, New Albany, Indiana

 

Em seguida, nos pediram para descrever uma escultura existente que poderia servir como um retrato nosso individualmente. Depois de ver The Partenon of Books, da Marta Minujín em Kassel, Alemanha, no início daquele dia, contei ao grupo minha experiência com os livros, de como eles trazem memórias e emoções para mim. Os livros foram uma parte significativa da minha vida não só pela alegria, tristeza e informação que me trouxeram, mas, mais importante ainda, por uma relação simbólica com minha mãe, que trabalhou como bibliotecária e me ensinou, assim como para muitas outras crianças, sobre seu valor. No final do período de exposição The Parthenon of Books foi desmantelado e os livros foram distribuídos ao público, dando a comunidade de uma maneira significativa e educacional e compartilhando a experiência individualmente, algo que me esforço para fazer diariamente. Com base nisso, quando me pediram para traduzir essa escultura em uma apresentação física, desenvolvi uma serie de movimentos imitando a ação de tirar um livro da prateleira, abrindo, e segurando como se apresentasse a outra pessoa – essa foi minha escultura.

 


Marta Minujín, The Parthenon of Books, 2017. Aço, livros e folhas de plástico. Friedrichsplatz, Kassel, documenta 14. foto: Roman März

No segundo workshop “Make It Public,” nós continuamos o diálogo iniciado no primeiro workshop e apresentamos nossas esculturas individuais, aproveitando a oportunidade para ter um retorno e aprimorar nossas esculturas. O objetivo desse workshop era apresentar nossas esculturas em um espaço público. Nós coletivamente decidimos ir ao LWL-Museum fur Kunst und Kultur para fazer a primeira apresentação pública de nossa performance, pois pensamos que no museu poderíamos encontrar pessoas receptivas à essa experiência. Quando chegamos a maioria de nós ficou um pouco hesitante e inicialmente observamos os visitantes enquanto alguns membros da equipe de Still Untitled se dispersavam e interagiam com o público apresentando o trabalho. Esperando encontrar alguma pessoa aberta à interação, percebi uma figura sozinha olhando os cartões postais expostos na recepção. Ela parecia ser uma mulher um pouco mais velha que eu e, como estava sozinha, achei que poderia estar aberta a uma conversa. Em uma abordagem, eu disse “Oi, meu nome é Karen”. Ela me respondeu “Olá”. Seguindo o quadro de diálogo, continuei “Você já ouviu falar do Skulptur Projekte Münster?” Ela disse que sim e me perguntou se eu gostaria de saber sobre isso. Tentando seguir o roteiro, disse que gostaria de compartilhar com ela que artistas são convidados a apresentar esculturas em um espaço público, o  Skulptur Projekte acontece a cada dez anos, e esse era o quinto projeto. Então perguntei “Posso te mostrar minha escultura?” Ela me pareceu surpresa e perguntou “Onde ela está? Quanto tempo vai levar?” Respondi que só ia levar alguns minutos e que eu poderia mostrar ali mesmo. Um olhar cético atravessou seu rosto enquanto olhava ao redor e disse: “Onde está?” Respondi: “Está bem aqui” e comecei a fazer a sequencia de movimentos para apresentar minha escultura. Uma satisfação surgiu em sua expressão quando ela falou “Oh, é uma performance”. Então parou pra ver e quando terminei me disse: “Obrigada”. E então perguntei: “Como está seu tempo hoje?”. Ela respondeu que estava bom e que ela estava aproveitando o museu. E então com um tom curioso ela perguntou “Você é uma artista?” E lhe expliquei que não era uma artista, mas uma historiadora de arte e que trabalho no 21c Museum Hotels. Contei pra ela do Still Untitled e comentamos porque eu participei e como foi minha experiência. Respeitando a última linha do quadro de diálogo, terminei dizendo “Isso foi parte do Still Untitled com Karen Gillenwater e…” (fiz um gesto para que ela falasse seu nome) “…de Xavier Le Roy e Scarlet Yu.” Nos despedimos e nos separamos. Foi uma troca positiva e divertida e me senti recompensada na realização de minha primeira apresentação de Still Untitled em público. Apresentei minha escultura para mais duas pessoas individualmente no museu, que apreciaram e se interessaram pela performance.

Still Untitled teve uma abordagem fluida no conceito de escultura incorporado no Skulptur Projekte Münster através da criação de esculturas feitas de corpos vivos de todas as pessoas do público que se propusessem a participar. Também criou a possibilidade para que qualquer pessoa na cidade pudesse encontrar arte em qualquer tempo ou lugar. A forma do projeto criou uma interação com a escultura física, embora fosse muito mais pessoal que objetivo, pois essa escultura também era o corpo de um estranho. Cada apresentação trazia consigo um nível de desconforto, que, como observei nos workshops, poderia gerar um certo tipo de abertura à conexão e ao diálogo. Essa troca de conversas foi uma parte crítica no trabalho Still Untitled. Como a obra de arte existe na experiência colaborativa de todas as partes, senti que fiz conexões não somente com as pessoas com quem compartilhei minha experiência, mas também com os outros que participaram desse projeto. Foi tão divertido conversar com os outros no workshop como foi, em última instância, gratificante trabalhar a coragem de apresentar minha escultura para estranhos. Compartilhar essas experiências com os outros visitantes, interagindo com performers e participantes, e vendo Münster durante um fluxo de pessoas interessadas em arte contemporânea  foi uma experiência gratificante pessoalmente e profissionalmente. Me impressionou o entusiasmo e interesse pelo diálogo durante minha experiência no Skulptur Projekte Münster tanto de residentes quanto de visitantes, tudo isso encontrando meu caminho para descobrir os projetos da cidade, caminhando entre os trabalhos escultóricos, vendo performances e instalações de vídeo, e até mesmo esperando em filas.

 

Biografia:

Karen Gillenwater é curadora e arte educadora. Trabalhou em diversos museus e atualmente coordena o 21c Museum Hotel Louisville. Mestranda em história da arte pela Universidade de Denver com pesquisa em estudos museológicos. Sua viagem ao Skulptur Projekte Münster 2017 foi financiada pelo Great Meadows Foundation.