Foto: Paulo Rodriguez (Deejay Gajeta)
Entre, a casa é sua. Depois de passar pela varanda, você pode apreciar um copo de sangria enquanto conversa com seus amigos. Ou apenas sentar-se na sala banhada de luz azul. Ou então entrar na fila, pois o espetáculo de teatro lambe-lambe já começou. Quando soar um sino - um tanto quanto estridente - entre na cozinha, e tome o seu lugar. Se for rápido pode pegar um lugar confortável, no sofá, ou senão se espalhar pelas cadeiras, bancos e degraus da escada. Abra então seus ouvidos, e prepare o espírito, pois o clima aqui é down, como denuncia o título.
O projeto Sit Down Drama foi concebido a partir de um jogo inicial proposto por Neno Miranda: criar uma performance musical em oposição às comédias em formato stand up, tão na moda no Brasil, propondo um trabalho baseado em música e poesia para aqueles que ainda vêem na tristeza uma beleza subjacente e sentem necessidade de, ao invés de rir pelos cotovelos de piadas infames, deprimir-se um pouco ao ouvir uma canção, como já diz a expressão, linda de morrer.
O espírito do s.d.d (para os íntimos) é a mistura. Os artistas envolvidos reúnem várias áreas dentre suas habilidades: artes plásticas, música, arquitetura ou teatro. Cada um empresta suas competências para criar desde a ambientação, à seleção de músicas e poesias, à performance em cena, até chegar na criação de um conceito que reúne essa pluralidade em um espaço arquitetônico específico: a casa.
A casa, tema esse recorrente na obra da diretora, a artista plástica Lucila Vilela, abarca o percurso do público em noites de sábado de espírito invariavelmente melancólico. O clima intimista, a idéia de invasão da intimidade alheia permeia este projeto: ao ser permitido entrar dentro da casa de outrem, o público se sente convidado a um acontecimento particular, muito mais à vontade para deixar-se mergulhar no clima criado pela performance, que inicia desde a recepção no local até à despedida, já se sentindo na saída, invariavelmente, de casa.
O repertório de músicas e poesias reúne desde peças eruditas, de compositores como Heitor Villa-Lobos à repertório de música pop, passando pelo samba e se aventurando até mesmo em um tango de Carlos Gardel. Os poemas e trechos de obras transitam desde Albert Camus à Clarice Lispector, incluindo T.S. Elliot e Edgar Allan Poe, dentre outros. A idéia de cruzamento de referências cria um território misto, uma trama que ao invés de fazer parte de um universo fixo, mistura as referências pessoais de todos os artistas envolvidos, criando um ecletismo que desafia os envolvidos e ao mesmo tempo envolve o público que é continuamente instigado a se perguntar o que está por vir.
Indo para a sua quarta edição, o projeto que teve sua estréia em uma quarta-feira de cinzas bastante ensolarada neste ano de 2012, já se distancia bastante do jogo inicial, e se configura como muito mais do que uma brincadeira em oposição do humor massivo: aos poucos amadurece como um espaço de interação entre artistas e público que desejam vivenciar este espírito down que muitos de nós compartilhamos em nossos imaginários pessoais, pessoas que desejam conviver durante uma efêmera noite de sábado, através da música e da poesia, sentados em uma cozinha.
Ficha Técnica:
Direção: Lucila Vilela
Performers: Neno Miranda, Barbara Biscaro, Marcelo Schroeder
Artista convidado: Roberto Gorgati
Realização: Casa Escher
Florianópolis, 2012