Museus de Arte Contemporânea: uma estratégia de abordagem | ELISA NORONHA

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O que se pretende com este artigo é apresentar sucintamente uma estratégia de abordagem de instituições responsáveis pela musealização da Arte Contemporânea, mais especificamente de Museus de Arte Contemporânea. Essa estratégia consiste no desenvolvimento e definição de um conjunto de pressupostos/enunciados como contraponto a ser considerado ao nos aproximarmos de um museu dessa natureza. Parte-se do princípio de que refletir sobre a natureza do Museu de Arte Contemporânea é uma condição prévia para avançar com o estudo de casos em instituições específicas. Isso porque inerente a esse intento está a possibilidade de perceber e de por em crise as idéias atuais e consolidadas, as características estruturais, o conceito implícito do que vem a ser um Museu de Arte Contemporânea quando uma determinada instituição patenteia-se como tal.

1. O primeiro pressuposto é sua origem histórico-objetiva: o Museu de Arte Contemporânea, uma invenção de quase duzentos anos, apresenta-se como exemplo e resultado de um processo de consecutiva especialização e fragmentação que atingiram os museus a partir do século XIX; como conseqüente à subdivisão do museu de arte e complementar ao museu de arte antiga, sua origem está relacionada com o surgimento da sociedade moderna e imbuída de ideais nacionalistas. Contada muitas vezes em grandes saltos, de modelo referencial a modelo referencial (Luxemburgo, Moma, Pompidou, Gugguenhein), sua história é marcada por um movimento de repetição e emulação, o que faz com que ainda hoje novos museus surjam impregnados de referenciais modernos.

2. O segundo pressuposto é a utilização do termo contemporâneo como maneira de definir a especialização/conceptualização de um museu. Essa questão está obviamente relacionada com a emergência da distinção entre as denominações moderno(a) e contemporâneo(a,) que se intensificará durante a primeira metade do século XX com o surgimento dos auto-intitulados museus de arte moderna e dos movimentos artísticos modernistas. Se durante o século XIX as denominações “museu de artistas vivos”, “museu de arte contemporânea” e “museu de arte moderna” poderiam ser empregadas como sinônimos, e como antônimos de “museu de arte antiga”, a partir do século XX serão muitas vezes utilizados para designarem instituições com tipologias diferentes.

3. O terceiro pressuposto é o seu desenvolvimento, durante o século XX, concomitante ao desenvolvimento das investigações museológicas e ao estabelecimento da Museologia enquanto disciplina. Algumas conseqüências: a possibilidade do Museu de Arte Contemporânea ser apresentado e apresentar-se como uma instituição que se estabelece em um contexto cultural, político e econômico e que está sujeita a redefinições conforme os interesses e mudanças desse próprio contexto. Se os primeiros cento e cinqüenta anos do Museu de Arte Contemporânea foram marcados por um processo de institucionalização, ou seja, de incorporação e acumulação de um conjunto de conquistas históricas, normas e valores que tendiam a gerar as condições de sua própria reprodução (Bourdieu, 1989: 100), os últimos cinqüenta anos foram marcados por um processo de reflexividade, ou seja, de por em causa de modo radical suas próprias práticas e seus próprios instrumentos de consolidação, abrindo-se a ações que tensionam o lugar privilegiado que seu discurso ocupa no contexto político e sócio-cultural em que se insere.

4. O quarto pressuposto é a dependência recíproca entre a invenção da arte e a invenção do museu de arte (Preziosi, 2004; citado em Hernandez, 2006, p.221) e, conseqüentemente, a relação entre as transformações sofridas por esses museus, no último século, e as transformações sofridas pela arte: a diluição das fronteiras entre as linguagens, o processo em detrimento da obra acabada, a desmaterialização do objeto e a utilização das tecnologias digitais são algumas das transformações artísticas que podem ser associadas às actualizações das formas de documentar, catalogar, preservar e expor as obras de arte e à urgência do envolvimento do artista em todas essas práticas.

5. O quinto pressuposto é, conseqüentemente, o já também histórico caso de amor e ódio entre o museu e o artista contemporâneo. Há, desde o século XIX, uma dupla tendência de teorização sobre os museus, uma a favor e outra contra, em que toda uma espécie de propedêutica particular sobre a ciência e o objeto museístico começa a ser construída também por artistas. Enquanto o “grupo do a favor” partia da “concepção filosófica, enciclopedista e didática do Iluminismo e do Romantismo imperante na época de definição do museu público moderno” (Alonso Fernández, 2006: 32), o “grupo do contra” partia de uma crítica militante à privação da autonomia das obras ao entrarem no museu e à conversão final do museu em um “mausoléu ou em um panteón irregenerável”( Alonso Fernández, idem). Entretanto, durante também quase duzentos anos, a relação entre o museu e o artista contemporâneo vem assumindo características distintas: críticas mais direcionadas ao que estava dentro do museu do que propriamente ao museu, contestação de seu papel legitimador e mediador e, ao mesmo tempo, a potencialização da dimensão reflexiva da instituição museológica. Fato é que quando Duchamp traz a Fonte para dentro do museu, não é somente o status do objeto de arte que é tensionado, mas também o museu como um site, um lugar específico (Lash, 2006). Tensão que será retomada posteriormente por diversos artistas como, por exemplo, por Daniel Buren que já na década de 60 trabalhava no sentido de redirecionar o olhar do espectador em relação ao museu, em vez da obra de arte.

"Se o lugar onde o trabalho é mostrado imprime e marca esse trabalho, seja ele qual for, ou se o trabalho em si é diretamente – conscientemente ou não – produzido para o museu, qualquer trabalho apresentado nessa estrutura, se  não examinar explicitamente a influência dessa estrutura sobre si  mesmo,  cai  na  ilusão de auto-suficiência – ou  idealismo". (Buren, 1973; citado em Kwon, 1997, p.88)

É importante salientar que a operacionalização desse conjunto de pressupostos não visa construir uma definição categórica do que seja um Museu de Arte Contemporânea, mas orientar a análise dos processos pelos quais determinados museus contextualizam as discussões que os fundamentam - por continuidade, ruptura, aderência, conservação, atualização, etc. - e conseqüentemente, perceber/delinear a identidade e a diversidade dessas instituições.

Referências

Alonso Fernandez, Luis (2006), Museologia y Museografia, Barcelona: Ediciones del Serbal.

Bourdieu, Pierre (1989),  O poder simbólico, Lisboa : Difel.

Hernandez, Francisca (2006), Planteamientos teóricos de la museologia, Gijon: Trea.

Kwon, M., (1997) “One Place After Another: Notes on Site Specificity” en October. Número 80. Spring 1997, pp. 85-110.

Lash, Scott (2006), “Art as concept/art as media/art as life” in Alice Semedo et al. (orgs), Museus, Discursos e Representações, Porto: Edições Afrontamento.

Lorente, Jesús-Pedro (1998), Cathedrals of Urban Modernity, The First Museums of Contemporary Art, 1800-1930, Londres: Ashgate.


O primeiro museu de arte contemporânea do ocidente, oficialmente chamado de Musée des Artistes Vivants, abriu ao público em 24 de Abril de 1818, no Palácio de Luxembourg em Paris. (Lorente, 1998).

Goethe, pensadores e escritores que baseados em Leibniz, Kant ou os românticos Schlegel, Hegel. (Alonso Fernández, 2006: 32).

Quatrèmere de Quincy, Burke, Nietzche, Paul Valery, Merleau-Ponty, Adorno. (Alonso Fernández, idem).