Incorpore uma escultura: relato de uma experiência com Still Untitled, de Xavier Le Roy e Scarlet Yu | LUCILA VILELA

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Olá, meu nome é Lucila. Você já ouviu falar no Projeto Escultura de Münster?

Artistas são convidados a apresentar seus trabalhos no espaço público. Desde 1997, o Projeto Escultura acontece a cada dez anos na cidade de Münster, na Alemanha, e esse é o 5º projeto.

Posso te mostrar minha escultura?

 

 

Como está o seu tempo hoje?

Isso faz parte de Still Untitled, de Xavier Le Roy e Scarlet Yu com Lucila Vilela e (seu nome)

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Esse é o diálogo que faz acontecer a performance, de Xavier Le Roy em colaboração com Scarlet Yu, proposta inicialmente para o Skulptur Projekte Münster. O projeto trabalha com a noção de escultura no próprio corpo e convida o público a fazer parte dessa experiência. Para isso, os artistas propõem uma serie de workshops: #1 Embody Your Sculpture, #2 Make It Public e Feedback Session, em que qualquer pessoa pode se inscrever e participar. Liderados pela equipe que forma parte de Still Untitled, os workshops aconteceram no Skulptur Projekte Münster de 2017, mas o projeto segue vivo e aberto com outros desdobramentos.

Tive a oportunidade de participar dos dois primeiros workshops na cidade de Münster, o terceiro Feedback Session, apresento aqui, em forma de um texto, pois não pude estar nas conversas presenciais. As conversas, aliás, parecem ser uma importante questão no trabalho de Xavier Le Roy, as reflexões e o diálogo com o público compõem muitas de suas performances. A proposta lançada no primeiro workshop de Still Untitled visava o reconhecimento do grupo e o preparo para  a incorporação das esculturas através da percepção do espaço e do tempo.  Andar pelo espaço e reconhecer o outro, através dos encontros, estabelecendo um diálogo formal ou sustentando o olhar em silencio foi, em um primeiro momento, uma possibilidade de aproximação com as pessoas que ali estavam.

Após a divisão em pequenos grupos, os condutores do workshop, lançaram a proposta de escolher uma escultura e pensar em como seria reproduzi-la em nosso próprio corpo. Alexandre Achour que conduzia nosso grupo esclareceu: “pode ser algo simples, que faça parte de seu caminho, do seu dia-a-dia. Eu, por exemplo, sou da cidade de Lion, e em minha cidade tem uma escultura de um leão”, e nos mostrou seu movimento até chegar na escultura. Assim, naquele curto espaço de tempo, tive que selecionar uma escultura para reproduzir, mas no meu dia-a-dia, pensei, não tem nenhuma escultura, moro na cidade de Florianópolis, Brasil, e em meu caminho só vejo água, plantas e carros. Então acessei minha memória e lembrei de Rodin, Degas, Maria Martins... e da escultura Tilted Arc, do Richard Serra que me pareceu  interessante para pensar a relação com o espaço. Um arco horizontal que corta o espaço desviando o trajeto das pessoas. Tilted Arc, de Richard Serra, foi exposta na Federal Plaza, em Nova York, de 1981 a 1989 e foi removida após uma disputa judicial justamente pelo incômodo que causou. Mas porque eu escolhi uma escultura que nunca vi na minha vida? Talvez porque ao ativar minha memória, um repertório de imagens foi acessado mais rápido que as percepções com a experiência real. E de repente estava falando de imagem, de escultura e de corpo no mesmo trabalho. Em seguida, foi preciso pensar na prática como incorporar essa escultura e também, não menos importante, como entrar e sair dela. Que movimentos poderiam compor essa transição e quanto tempo deveria permanecer estática? O tempo de observação da pessoa/escultura ficava a critério de quem estava fazendo, podendo ser curto ou longo, ativando a percepção das sutilezas que compõem a relação com o outro.


Richard Serra. Tilted Arch. Federal Plaza, 1981, New York.

A questão do tempo, de fato, foi significativa e marcou a condução do segundo workshop Make It Public que propôs uma nova dinâmica de diálogos a partir da pergunta: Como está seu tempo hoje? Vale lembrar que esses diálogos eram sempre feitos individualmente, no encontro entre duas pessoas em relação ao movimento no espaço. Refletir sobre o tempo nos induziu a discutir problemáticas contemporâneas, como a aceleração e modificação da relação com o tempo na era digital, o tempo cronológico ou temporal, o tempo em viagem e o aproveitamento do tempo. Essas reflexões trouxeram a noção de presença, imprescindível para se pensar as artes do corpo.  A relação com o tempo em performance fica ainda mais discutível quando se tem como objeto de pesquisa a ideia de escultura. Quando convidam Xavier Le Roy, que trabalha com o corpo, para participar de um projeto de escultura, a noção de escultura é colocada em cheque. O Skulptur Projekte Münster acontece a cada dez anos, tempo suficiente para acontecerem consideráveis modificações no conceito de escultura. Com o foco na arte no espaço público, Kasper König, diretor artístico do Skulptur Projekte Münster 2017, junto com Britta Peters e Marianne Wagner, propõe não   a ocupação da arte no espaço urbano, mas a criação desses espaços. A presença das performances, dos vídeos e das instalações nesse evento problematiza a reflexão no século XXI do pensamento escultórico.

Após a prática de diálogos sobre o tempo, voltamos a pensar nossas esculturas para trabalhar a apresentação delas. Tornar público. Como expor essa escultura? Como realizar essa performance fora da sala? Neste momento, a equipe de Still Untitled nos colocou a necessidade de estabelecer uma espécie de moldura para o trabalho. Um diálogo que demarcasse o início e o fim da performance. Esse recorte diferencia essa performance da arte de rua, pois não é executada no espaço urbano para o público em geral, mas sim para uma pessoa específica. A apresentação individual deste trabalho e o estabelecimento de um início e de um fim cria uma relação de intimidade e confiança com a pessoa que está assistindo. A interação entre o performer e a pessoa que está vendo confere importância para o trabalho, inclusive na questão da autoria que coloca, na frase final, o nome da pessoa como parte constitutiva do projeto. Essa moldura construída através da conversa torna essa proposta singular e diferenciada. A moldura não só envolve uma imagem, mas está em relação com ela, forma parte do olhar. E o diálogo proporciona esse entendimento.

Chegava o momento de sair às ruas. Lá fora, fazia frio e chuva e só podíamos colocar tudo o que fizemos em prática em um lugar fechado. A escolha foi o museu LWL, onde tinham alguns trabalhos do Skulptur Projekte Münster, na direção oposta onde eu ia pegar o trem que saia em poucos minutos. Tive que fazer uma escolha e parti pra estação tomada pela curiosidade e pela sensação de uma experiência incompleta. Pela janela do trem, só me restou lembrar da pergunta: Como está seu tempo hoje?

 

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Still Untitled 2017

De Xavier Le Roy / Scarlet Yu

Desenvolvida em colaboração com Alexandre Achour, Susanne Griem, Zeina Hanna, Sabine Huzikiewiz, Laura Mareen Lagemann, Alexander Rütten, e Imin Tsao com apoio de Le Kwatt.

Local: qualquer lugar, qualquer momento